Cristina Cruz, professora, escritora, sincera, indecisa, bondosa, ingénua, trabalhadora, criativa, amiga, ouvinte, ...
Não podem perder este questionário diferente que nos faz pensar em nós e na forma como lidamos com o outro. Respostas humanas e sinceras ...
Como se está a sentir agora?
Muito bem, agora não me estou a sentir tão bem porque estou constipada mas esta fase da minha vida está a ser espetacular.
Qual a música que define a sua vida?
(Pensativa) Hum ... Não define a minha vida mas gosto muito, muito, muito de uma canção da Abbey Lincoln que é "Hold my Hand", é uma canção muito ternurenta mas não define a minha vida porque é uma canção com uma nota triste e eu não sou triste, mas adoro essa canção.
Qual a sua palavra favorita? Porquê?
Alegria, porque me faz sorrir. (Risos)
Já publicou um livro, "Remorsos da Lua"! Sempre teve o sonho de publicar um livro ou foi algo que surgiu?
Na altura tinha o sonho de publicar um livro e surgiu, surgiu porque não andei à procura de editora, aconteceu. Agora não tenho o desejo de publicar, tenho o desejo de produzir ... Melhorei. (Risos) Porque uma coisa é querermos ver o resultado numa produção divulgada a todos e outra coisa é nós termos um desejo intenso de produzir, de criar, de fabricar, de fazer novo. Ultimamente anda a escrever vários poemas! Para si é mais fácil escrever em prosa ou em verso? A poesia para mim é mais, não é uma questão de facilidade, mas consigo situá-la num leque temporal mais restrito, enquanto que um romance não se consegue. Mas gosto das duas formas, a poesia descobri há pouco tempo. E as peças de teatro? O teatro adoro! Mas isso eu escrevo para me divertir. (Risos)
É natural de Haia, Holanda! Viveu lá durante algum tempo ou veio logo para Portugal?
Eu vim na altura do 25 de abril, aliás, vim ligeiramente antes porque vim com a minha avó, o meu pai só pôde vir na altura da revolução, por razões políticas, eu é que antes, terei vindo em setembro do ano anterior para o ano letivo, não adivinháva-mos que ia acontecer o 25 de abril, obviamente, mas tornava-se já incomportável continuar os estudos em língua estrangeira. A minha mãe achava que devíamos voltar ao país e então os filhos vieram em setembro ... Já voltou lá? Já e não reconheci nada! (Risos) Não reconheci nada, nem língua ... Os espaços sim, alguns, mas também era diferente, éramos miúdos, o inverno passávamos em casa e aos fins-de-semana íamos passear para as dunas, isso eu recordo-me. Mas a noção do espaço que as crianças têm é completamente diferente da noção de um adulto. Eu recordo-me de coisas que me pareciam enormes e que afinal são pequeníssimas. A configuração do espaço muda, o olhar muda.
Atualmente é professora, sempre foi a profissão que quis seguir?
Não! Sinto-me mais professora agora do que quando comecei a ser. Acho que é uma profissão que acaba por se amar mas não se começa a amar. Quando era criança o que quis ser? Tudo o que fosse suficientemente exorbitante ... (Risos) Astronauta, exploradora submarina, também achei que podia tratar de animais mas acho que tinha medo de cães e não é compreensível que quem tenha medo de cães pudesse tratar de animais, escrever. No inicio não se sentia tão professora por ter medo de encarar os alunos? Não, eu acho que começamos muito preocupados se estamos a fazer bem e queremos estar a fazer bem. E pensamos que o estar a fazer bem tem a ver com, ou pode ser medido na forma como os outros nos veem, mas quando deixamos de nos preocupar com a forma dos outros nos verem e estamos preocupados em fazer bem, generosamente bem, eu acho que muda tudo.
É fácil trabalhar com adolescentes?
Eu não sei se é fácil mas não é difícil, não acho difícil. Qual é que foi a situação que a pôs mais à prova enquanto professora? (Silêncio) Elas aparecem de vez em quando, há situações que não conseguimos resolver. Não conseguimos resolver, por exemplo, situações de alunos com quem não conseguimos comunicar, é um ou outro, não são todos, aquilo que queremos dizer não chega lá, provavelmente tem a ver com a forma que nós dizemos, como também tem a ver com o perfil do aluno, mas o mais tristes são situações que não conseguimos resolver achando que deveríamos conseguir resolver, depois também já me aconteceram situações, essas igualmente problemáticas, não conseguir, isto é muito raro, muito pouco frequente, mas também tem a ver com falta de jogo de cintura, não sei, situações em que não sinto empatia, isto é, eu consigo gostar de toda a gente mas pelos vistos há pessoas que não me apreciam ou reagem violentamente ao que eu digo e eu volto a por água na fervura e recomeçar da estaca zero e às vezes tenta-se isto, várias vezes ao longo do ano e chega-se ao fim do ano e devemos estar melhor do que estávamos mas não conseguimos superar, acontece. E o melhor que lhe aconteceu enquanto professora? Os alunos! Tive alunos fantásticos e alegra-me, olhe estou a olhar para si e sinto-me muito contente por ter sido meu aluno. Isso é o melhor, nós sentirmos que as pessoas continuam as suas vidas autónomas e que de alguma maneira influenciámos minimamente, isso é muito bom, é uma alegria enorme.
O sol é para todos, a sombra para alguns, e o subsolo?
(Pensativa) Hum ... Para as plantas ... (Risos) Não é para as pessoas.
É bom ter medo?
É bom ser prudente! É bom equacionar os perigos, o medo não. O medo é negativo. É prudente? Sou!
Devemos confiar na nossa intuição?
Seguramente. Porquê? Porque a comunicação verbal é apenas uma parte, nós sentimos imensas coisas por outras vias. Eu penso que aquilo que chamamos intuição é uma leitura possível do que interpretamos numa forma global. Eu não estou a falar de intuição "Vai-me sair o totoloto!", estou a falar daquela intuição "Parece-me que esta situação está a decorrer desta maneira.", normalmente é acertado porque estamos a confiar em sinais não verbais, normalmente funciona, não é sempre, podemos estar muitíssimo enganados. (Risos)
Pode haver alma sem Deus?
(Silêncio Prolongado) Essa é uma boa pergunta! (Pensativa) Depende do que se entende por Deus, se a alma for já de si divina, não. Eu, não me custa nada atribuir e conceder, numa concessão minha, que em cada um de nós há um bocadinho de divindade e portanto nesse sentido não. Pronto, não pode! Acredita em Deus? Acredito!
As pessoas têm um valor quantificável?
Não! Porquê? Porque o seu valor é incomensurável, as pessoas são valiosas, ponto.
Todas as religiões podem ser verdadeiras?
Sim! Todas as religiões podem existir, todas as religiões luminosas, quer dizer, que não sejam para matar pessoas e da negridão, serão verdadeiras. As religiões do amor são todas verdadeiras. Tem alguma? Tenho, sou católica mas sinto igual religiosidade perante princípios do budismo, como sinto igual religiosidade perante outras religiões. Esta é a religião na qual fui formada, é uma religião que pratico, mas é contextual.
O Nada existe?
Não! Porquê? Porque existe o Tudo! (Risos)
A alma existe?
Existe.
O conhecimento tem limites?
Tem! Quais são os limites? Para conhecermos mais teríamos de desenvolver outros mecanismos de comunicação e de abordagem do real, confiamos demasiado naquilo que podemos traduzir em conceitos. Parece-me que enquanto tivermos esta forma de abordar o real o nosso conhecimento estará sempre muito limitado porque este é apenas um aspeto do real, mas eu acho que há mais, muito mais. Recuso-me pensar que o Mundo é o que dizemos pensar acerca dele, o Mundo tem que ser mais que isso.
Um Serial Killer pode ser um artista?
Não, um artista tem de produzir, de criar beleza, não me parece que um Serial Killer consiga fazê-lo, tem de acrescentar, não tirar, isto é, não me parece que a arte possa ser uma subtração tem de ser sempre um acrescento.
Somos mais que uma pessoa ao longo da vida?
Modificamo-nos muito e às vezes as modificações são tão grandes que podemos parecer mais do que uma pessoa, no sentido em que as transformações são tantas que não nos conseguimos rever naquele que já fomos, muito embora o que já fomos seja condição para ser o que somos agora, mas não nos espelhamos nisso e é até por demarcação disso que sabemos que agora estamos outros.
Como gostaria de morrer?
Sabendo, detestaria morrer não sabendo que estou a morrer, isto é, gostaria de morrer não vendo a morte como uma coisa negativa, mas vendo como algo a ser experienciado e ter noção disso. Acredita na vida depois da morte? Não sei como se chame, mas acredito que a vida é mais do que a minha vida, não sei de que forma cada um de nós se prolonga ao ser devolvido a este todo, não sei se é em vidas, não me custa pensar que há vida depois da morte muito embora, lamentavelmente, se assim for tenho muita pena de me ter esquecido de tudo o que já vivi antes porque gostaria mas de alguma forma quando um de nós morre o que quer que esteja ou seja, acrescenta-se ao mundo de outra forma, permanece cá, seja de que forma for não desaparecemos.
Qual é o seu maior sonho?
Conhecer, ser sábia, criar.
Como é que acha que será o futuro, algo utópico ou distópico?
Quando me perguntou qual era o meu maior sonho eu respondi de uma forma pessoal, em termos do que eu gostaria de fazer, agora refaço. O meu maior sonho seria um desenvolvimento da humanidade, mais lúcida, mais generosa, menos primária, menos cruel, menos violenta, mais amante.
Se tivesse a oportunidade de viajar no tempo gostava mais de conhecer o futuro ou descobrir o passado?
Pois, não sei! Tenho de gostar mais de uma? (Risos) Acho que regredia, porque eu queria saber como é que o mundo começou, não me interessava ir ver época nenhuma em particular mas gostava de saber, vamos lá decifrar isto.
Do que sente falta?
Às vezes sinto falta de ter a possibilidade aqui e agora de realizar algumas coisas, por exemplo, ter dinheiro para viajar, isso não me impede de ser feliz mas gostava. Sinto falta de coisas que nem é bem falta é saudade, momentos ou pessoas que conheci e que já cá não estão. (Silêncio) Não é bem falta mas sinto que poderia ter feito melhores coisas com elas do que fiz. (Inspira) Não é uma falta, gostaria de corrigir uma ou outra coisa.
Quem ou que a inspira?
(Silêncio prolongado) Eu não sei se há um quem ou se há um quê. Na junção entre os dois eu gosto do belo, há coisas que me enaltecem, que me fazem crescer, a noção de bem, de belo de bom, de liberdade, de beleza, de justiça.
Os Homens são todos iguais?
Não! O que diferencia os Homens? Os Homens são todos o mesmo mas não são todos iguais. Há pessoas que são admiráveis, estava agora a pensar naquela senhora birmanesa (Suu Kyi - galardoada com o Prémio Nobel da Paz), não consigo dizer o nome dela, o Mandela fantástico, o Gandhi fantástico. Existem Homens que nos mostram que as coisas podem ser melhores, que nos tornamos melhores e às vezes pode ser o nosso vizinho. Todas as pessoas têm virtudes, alguns têm pequenas virtudes ou virtudes que não são públicas, nem reconhecidas mas são excelentes, por exemplo, há pessoas que, isso eu acho fantástico, naturalmente congregam as outras, são inclusivas. A maior parte das pessoas é "Vamos excluir este, este e aquele." e depois há pessoas que tem a capacidade de congregar, "Não! Vamos incluir.", é uma virtude pequena que se calhar nem se dá por ela ao longo da vida, mas é fantástico. Há também pessoas que têm desde muito cedo a capacidade de desejar bem aos outros e serem imunes ao egoismo e à mal-decência, eu acho isso fantástico. (Sorriso) Podem não ser virtudes de fazer uma grande obra, mas fazem a diferença.
A vida são dois dias, o Carnaval três. E o amor?
O tempo da vida! (Riso) Acredita que existem pessoas que possam não amar? Acredito! Isso não as torna a elas menos amáveis, mas há pessoas que até por acidente constitutivo podem não ter essa capacidade de amar, mas perdem muito e é lamentável. Estamos a falar do amor em geral e não da paixão, isso é uma grande perda.
Se tivesse um minuto para dizer algo ao planeta inteiro, o que seria?
Amemos!
Alguma coisa ficou por dizer a alguém?
(Silêncio) Sim! Sim ficou! Arrepende-se de não ter dito? Arrependo-me de não ter dito, de não ter sido claro, embora que eu ache que implicitamente as coisas estavam lá. Há coisas que nós não sabemos dizer e com a vida vamos aprendendo a já não ter vergonha de as dizer ou achar que elas são idiotas. Temos muito medo do ridículo quando somos jovens, não faz sentido, perdemos imenso por vergonha! Com o passar dos anos ficamos menos críticos connosco? (Pensativa) Continuamos a ser críticos, só que é uma outra crítica, não é destrutiva. Eu acho que na adolescência nós desenvolvemos essa crítica destrutiva que é algo onde estamos muito preparados para nos denegrir-mos a nós próprios, nos olharmos mal, para nos vermos como defeito e não como uma coisa boa e bela. Estamos muito preparados para nos envergonharmos, para ter vergonha, isto é um disparate, é destrutivo. Depois acho que passamos metade da vida a tratar-nos mal e a outra metade a tentar curar-nos de como fomos tratados por nós mesmos. (Risos)
Para si o que é a felicidade?
Harmonia, equilíbrio do individuo consigo e com o mundo.
Qual é o seu lema de vida?
(Pensativa) Não tenho, mas poderia ter. Nunca pensei nisso! Amar? Estar bem? Ser alegre?
Como se está a sentir agora no fim da entrevista?
Bem! (Risos) Muito bem!
O que quer o seu coração?
Criar!
Só me resta agradecer mais uma vez à professora por ter aceite responder a todas as perguntas, muito obrigado.
Chega assim ao fim mais uma entrevista, onde ficámos a conhecer fragmentos desta vida. Mais uma pessoa comum entre muitas a ser entrevistada, quem sabe se da próxima vez não és tu a responder às minhas questões ...
O que achaste desta entrevista?