01. Rapariga Elétrica

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01. Rapariga Elétrica

Acordei, já passava das dez, aquele dia iria ser excelente, eu e a Mia, a minha best friend, íamos ao concerto do nosso grupo favorito, tínhamos comprado os bilhetes no primeiro dia, há dez meses atrás, até fomos para a porta da bilheteira de madrugada, tínhamos ficado em primeiro, bastou meia hora para esgotarem, tivemos sorte. Hoje seria o culminar de meses de espera.

Sentei-me na cama e peguei no smartphone, quando o desbloqueei reparei que tinha várias chamadas da Mia não atendidas, ela devia estar muito mais ansiosa que eu, o Zack, um dos vocalistas, era o seu crush há mais de três anos, resolvi ligar-lhe de volta, ela atendeu em segundos e perguntou como me sentia, a sua voz estava séria, estranhei mas disse que me encontrava bem, entusiasmada com o concerto, ela disse que estava à minha porta e eu fui abrir, de pijama.

Mia olhava-me nos olhos, a forma dela agir não era comum, estava estranha e perguntei-lhe o que tinha, ela perguntou-me se ainda não tinha visto as redes sociais e eu disse que não.

- Hayley, o Patrick publicou umas fotografias ontem … - Começou ela a medo, eu não estava a perceber nada.

- Sim, e qual é o mal? Ele publica tanta coisa! - Respondi com o óbvio.

- Neste caso é diferente, acho que devias ver … - Fez uma pausa, pegou no meu tablet e abriu a rede social. - Eu estou aqui para tudo, nunca te esqueças. - Depois passou-me o aparelho para as mãos e eu fiquei em choque com o que vi.

O meu namorado estava a beijar outra miúda, passei para outra foto e lá estavam os dois, na legenda dizia que a vida era para se aproveitar ao máximo, fiquei cheia de raiva e comecei a chorar, o sacana tinha-me traído, fiquei na dúvida quantas mais vezes teria acontecido naquele ano e meio que passou, depois ainda reparei que o filho da mãe me tinha identificado nas fotografias, meti gosto e comentei para serem felizes, as lágrimas cobriam-me a visão, não sabia se chorava de raiva ou por ter sido traída.

Mia deu-me um abraço e tentou animar-me com o concerto, a minha vontade de ir tinha desaparecido completamente, ela agarrou-se aos meus braços e balançou-os no ar enquanto fazia um medley das músicas deles, teve piada e fiz um sorriso. Ela começou a falar no romance, criado por ela, com o Zack e revelou-me que hoje seria o primeiro encontro, ela quando queria conseguia mesmo meter-me a rir, apesar de tudo só queria ficar em casa a pensar nos acontecimentos recentes, Mia foi até ao meu closet e começou a escolher roupa, perguntei-lhe o que estava a fazer e ela rompeu o silêncio que se tinha formado iniciando uma canção deles enquanto escolhia alguma coisa para mim, depois voltou para junto da cama.

- Nem penses que vais ficar para aí deitada a deprimir! És uma gaja toda boa para aquele idiota, nem imaginas o que já me irritei em casa, se o visse agora … - A expressão dela estava de rir, raramente a via irritada mas quando isso acontecia o melhor era deixá-la respirar.

- Mia deixa-me ficar aqui, amanhã logo vamos … - Nem terminei de falar porque fui logo interrompida.

- Não é amanhã, nem daqui a uma hora, é agora! Sabes que sou muito chata, por isso tens duas opções ou vens a bem ou vens à força, qual escolhes? Deves pensar que vou ver o meu futuro namorado assim, temos de ir às compras. Mas antes liga àquele nojento e termina com ele, por favor.

Ela tinha razão, não valia a pena estar com alguém que não me ama, peguei no smartphone e liguei, meti em altifalante para a Mia ouvir, demorou a atender, quando estava prestes a desistir ouvi-o.

- Olá meu amor, como estás? - Fiquei sem palavras, a Mia abriu os olhos e se pudesse tinha-o comido vivo naquele momento. - Estás aí?

- Meu amor? Mas estás a gozar com quem? Já vi as fotos. - Raiva era o que sentia.

- Desculpa, eu estava bêbado, foi tudo um erro … - Álcool não serve de desculpa.

- Erro foi a nossa relação. Acabou tudo! Sejam felizes. - Desliguei-lhe a chamada e vi a Mia aos pulinhos e a bater palmas.

- Fizeste bem, ele nunca foi o certo. Precisas de um rapaz que te respeite, quem sabe ainda encontras algum no concerto. - Naquele momento só queria ficar sozinha, sentir as lágrimas. - Mas bem, veste-te que vamos ao shopping. - Não valia a pena contrariá-la e cedi.

Já estávamos a andar pelas lojas, o concerto por ter lugares marcados não era preciso ir muito tempo antes, a Mia queria uma blusa de decote em V cinza e um batom Lady Red, entrámos na primeira loja que ela queria mas não havia o que procurava, ao entrar na segunda apaixonou-se por um e trouxe esse, gostei de uma blusa branca de ombros descobertos e comprei-a, a loja de maquilhagem era sempre a mesma, os produtos eram um pouco caros mas compensavam em qualidade, ela comprou o batom e ficou a namorar um rímel.

Já era hora do almoço e estávamos a decidir onde íamos comer, estava um pouco em baixo mas nada que umas compras não ajudassem, a Mia era perita em animar alguém com a sua energia, optámos por ir comer uma salada mas antes quis passar pela livraria e ver as novidades, talvez comprar até alguns livros. Quando entrámos senti aquele cheiro caraterístico que existe nas bibliotecas e livrarias, fui em direção às novidades e descobri dois livros que pareciam interessantes, o primeiro era um thriller onde um bailarino se vingava de todos aqueles que lhe fizeram mal e o segundo um romance virtual onde tudo corre bem até aparecer um desconhecido que lhes começa a enviar mensagens estranhas, depois vi o resto da livraria e peguei em mais alguns livros. No fim paguei sete livros, a Mia só me perguntava como é que eu conseguia ler tanto e nunca me cansar, eu dizia-lhe que os livros são o amor que nunca nos traí.

- Eu só gosto de ler revistas, principalmente a parte dos famosos. - Disse-me ela muito séria, eu ri-me.

- Isso não é literatura, são mexericos e muitas vezes falsos. - Tirei os livros do saco e apontei-os a ela. - Isto sim é cultura!

Baixei o olhar para guardar os livros e choquei com alguém, caíram todos no chão, quase caí desamparada mas senti umas mãos firmes a agarrarem-me, com vergonha encarei a pessoa em quem chocara para pedir desculpa e fiquei sem palavras ao reparar que à minha frente estava um rapaz lindo, alto, bronzeado, loiro de olhos azuis, com uma barba de três dias, uns lábios bonitos e vestia uma t-shirt com um casaco de ganga.

Cheia de vergonha ajoelhei-me e comecei a apanhar os livros, quando me apercebi ele também os estava a apanhar, as nossas mãos tocaram-se e criou-se eletricidade estática levando ambos um choque, trocámos olhares, agradeci-lhe, virei costas, puxei a Mia e saí dali, ao longe ouviu-o a pedir desculpa.

Sentei-me numa das mesas do restaurante e fiquei a pensar naquele momento constrangedor e nos traços do rosto, ele era bastante jeitoso. A Mia já criava uma história digna de Hollywood, eu só me ria dela, por alguns momentos tinha esquecido o Patrick, ela tanto me pressionou que acabei por confessar que ele era bastante charmoso, chamou-me de estúpida por não ter ficado à conversa e ter fugido, não lhe respondi. Estávamos a almoçar cada uma a sua salada de legumes e frango quando ouvi uma voz doce e tranquila.

- Peço desculpa por estar a interromper mas deixaste isto para trás rapariga elétrica. - Era ele, o desconhecido em quem eu chocara, nas mãos tinha um dos meus livros.

- Ah… olá… sim… pois, obrigado… - Aquilo não tinha saído muito bem, fiquei gaga enquanto lhe tentava agradecer com uma frase estruturada. Adorei a alcunha que me deu.

- Olá eu sou a Mia e ela é a Hayley … - Fez uma pausa dramática e continuou. - … a tua rapariga elétrica. - Eu ia matá-la quando tivéssemos sozinhas. - Já almoçaste? Junta-te a nós!

- Desculpa a minha amiga, ela às vezes é demasiado impulsiva. - Disse ao lindo sem nome dando um pontapé por baixo da mesa a Mia, a cara dela expressou a dor que deve ter sentido.

- Eu sou o Samuel mas podem chamar-me Sam e por acaso ainda não almocei. Posso? - Perguntou, enquanto apontava para o lugar vago ao meu lado.

- Claro que sim! - A Mia ia pagá-las, tinha saído naquela manhã de uma relação e ela já me tentava por noutra.

- Importaste rapariga elétrica? - Questionou olhando-me nos olhos enquanto esboçava um sorriso.

- Eu… não… eu... senta-te! - Estava a ficar embaraçada, o rapaz era muito mais giro e simpático que o Patrick, para além disso a forma como ele falava deixava-me com calor.

Momentos depois a Mia arranjou uma desculpa esfarrapada e disse que tinha de ir à casa de banho mas para ficarmos ali a conversar e a acabar o almoço enquanto ela não vinha. Ficámos sozinhos, o silêncio foi rei durante dois minutos, apenas trocámos olhares e um ou outro sorriso. Ganhei um pouco de coragem e perguntei-lhe o que fazia, se andava na universidade ou trabalhava, ele respondeu que estudava de dia e cantava em bares à noite e aos fins de semana como hobbie, fiquei interessada e quis saber um pouco mais, descobri que no dia seguinte iria a uma audição para o programa de música mais conceituado do país e com maior difusão à escala mundial, onde se criaram grandes nomes da indústria musical, desejei-lhe muita sorte. Ele era bastante sereno, o seu sorriso branco inundou-lhe o rosto quando agradeceu, tinha uns dentes perfeitos, ele todo parecia perfeito, pena que tal não exista. Perguntou-me sobre livros e o que achava daquele que ele me tinha entregue, o das relações à distância, confessei-lhe que não era capaz de estar longe de alguém que amasse e ele disse que por amor era capaz de tudo.

Já estávamos quase a terminar quando a Mia apareceu, deu a desculpa que as casas de banho estavam cheias e que lhe surgiu uma dor de barriga repentina, o Sam pediu licença, levantou-se e foi até ao balcão pagar o seu almoço, a minha best estava a ficar nervosa com o aproximar da hora do concerto e pediu-me para ir, ele voltou e despediu-se de nós, a Mia atrevida como sempre deu-lhe um beijo na cara e ele correspondeu, depois quando se aproximou de mim e me deu um beijo senti um choque na bochecha, ele riu-se, a Mia não percebeu e ficou a olhar. Fomos até ao balcão para pagar o que devíamos e ficámos surpresas quando o empregado nos disse que o rapaz tinha pago tudo, deixando também um bilhete para mim. Agradeci e saímos para o corredor, estava nervosa e ao mesmo tempo chateada por ele ter pago sem sequer me conhecer bem. A Mia que estava mais curiosa que eu implorou para que visse o bilhete. Concedi-lhe a vontade, “Era o mínimo que podia fazer depois de quase te ter derrubado na livraria e invadido o almoço, rapariga elétrica. Um beijo, Sam”, um guincho dela entrou-me pelo ouvido, a sua letra era cuidada e perfeita, questionei-me se ele seria real.

Quando me lembrei do que ela fez comecei a dar-lhe na cabeça por me ter deixado lá sozinha a falar com ele, ela riu-se e mudou de assunto.

Depois de termos chegado a minha casa começámos a produzir-nos para o concerto, decidimos usar as roupas que comprámos, fiquei pronta em meia hora, ela continuava a embelezar-se, na cabeça dela aquele seria o dia em que o Zack se iria apaixonar por ela, arrumei os meus livros na estante e vinte minutos depois ouvi-a gritar que estava pronta.

Àquela hora não havia trânsito o que fez com que chegássemos ao pavilhão do concerto a horas, as filas já estavam a crescer, os nervos da Mia sentiam-se a metros de distância, se ela visse o crush naquele momento possivelmente ficaria bloqueada. Uma das músicas da banda era a que eu e o Patrick estávamos a ouvir quando nos beijámos pela primeira vez, não sei se estava preparada para a ouvir e não começar a chorar.

Após dez minutos de espera comecei a analisar as pessoas que estavam na fila da direita e não pude acreditar quando vi aquele cabelo loiro com o seu jeito um pouco despenteado mas bonito a pouca distância de mim, cotovelei a Mia e quando ela o viu disse-me que era o destino e que tinha de ir falar com ele, neguei ao ver que estava acompanhado por amigos e amigas, ela fez beicinho e de repente, assim do nada, ele olhou para mim e sorriu.

Próximo capítulo, aqui.

Gostaram do primeiro capítulo? O que acham que vai acontecer?